Na Saúde e na Doença
- Carlos Roberto De Oliveira Junior
- 2 de jul.
- 3 min de leitura
Breve análise sobre o reconhecimento da união estável, destacando a importância da convivência afetiva e os efeitos jurídicos decorrentes, independentemente da formalidade.

Recentemente, um caso curioso ganhou destaque na imprensa:
Um casal de idosos, ambos acometidos pela Doença de Alzheimer, havia se divorciado há alguns anos. No entanto, com o avanço da enfermidade e a consequente perda de memória, passaram a conviver novamente como se ainda fossem casados, restabelecendo, sem perceber, a vida em comum que um dia haviam deixado para trás.
E agora? Será que essa situação, pode ser reconhecida juridicamente como uma união estável? 👵🏻👴🏻
No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a união estável passou a ter reconhecimento expresso no ordenamento jurídico, especialmente no § 3º do artigo 226 da Constituição e no artigo 1.723 do Código Civil. Esses dispositivos exigem, basicamente, os seguintes elementos para seu reconhecimento:
Convivência pública, contínua e duradoura
Objetivo de constituir família
Estabilidade no relacionamento
Contudo, o caso em questão envolve uma discussão delicada: a capacidade civil, ou seja, a aptidão para exercer os atos da vida civil — o que pressupõe consciência, discernimento e vontade livre de escolha. No caso de pessoas com Alzheimer, o discernimento é progressivamente afetado, o que levanta dúvidas quanto à existência de um consentimento consciente.
Assim, teriam reatado a convivência por vontade própria ou apenas por força da rotina e dos efeitos da doença, que os fez esquecer o passado?
Há quem sustente que, nessas circunstâncias, não seria possível reconhecer juridicamente uma união estável, já que o Alzheimer comprometeria a liberdade de escolha e a manifestação válida de vontade. O esquecimento da decisão anteriormente tomada poderia configurar vício de consentimento, nos termos dos artigos 138 a 165 do Código Civil. Assim, sem plena consciência, não haveria como constituir uma nova entidade familiar.
Se se tratasse de um novo casamento, este poderia ser anulado, uma vez que o casamento é um negócio jurídico solene, cuja validade depende do cumprimento de uma série de formalidades legais — sobretudo, da declaração de vontade dos nubentes, conforme dispõe o artigo 1.535 do Código Civil .
A fim de exemplificar: imagine um idoso acometido por grave demência que, sem discernimento, participa de uma cerimônia de casamento. Ainda que todos os ritos formais tenham sido cumpridos – como a presença do juiz de paz, testemunhas e o registro em cartório –, esse casamento poderá ser anulado judicialmente, justamente pela ausência de manifestação de vontade válida.
Por outro lado, ao contrário do casamento, que é classificado como um negócio jurídico, a união estável segue lógica distinta, sendo classificada como um ato-fato jurídico — um fato social que, por si só, produz efeitos jurídicos, independentemente de manifestação formal de vontade.
Para o reconhecimento da união estável, o que se exige é a existência de uma convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família.
Tanto é assim que, em determinadas situações, ainda que um dos conviventes não tenha a intenção de constituir uma união estável, limitando-se ao desejo de manter um vínculo afetivo descompromissado, o Poder Judiciário pode, sim, reconhecê-la, desde que estejam presentes os elementos fáticos que a caracterizam, ainda que contra a vontade de um dos parceiros.
Portanto, diante de uma convivência pública, contínua, duradoura e revestida pela aparência de família, mesmo entre pessoas acometidas por enfermidades como o Alzheimer, é juridicamente possível o reconhecimento da união estável.
Afinal, mais do que a formalidade, o que realmente importa é a realidade afetiva vivida, marcada pelo cuidado mútuo e pelo afeto construído no cotidiano — elementos que evidenciam o verdadeiro vínculo familiar.
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